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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Educação a Distância: uma alternativa de qualidade?


Alda Luiza Carlini*
Maria Teresa Meirelles Leite**
Historicamente, tem sido voz corrente a qualificação do ensino a distância como uma alternativa de segunda mão para os processos educativos. Se o condutor do veículo dirige mal, logo alguém pergunta se “tirou carta” por telefone; se o técnico não é capaz de restaurar o aparelho deixado para conserto, presume-se que fez curso por correspondência. Assim é o senso comum: analisa o fato descolado de sua conjuntura, e o qualifica com base apenas na lógica formal.
No entanto, essa percepção social da educação a distância não é tão ingênua quanto parece. Ela foi construída ao longo da história da educação brasileira, e já tem cerca de um século. De modo geral, é possível afirmar que, desde a instituição dos modelos de radiodifusão educativa, com a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, até os dias atuais, com as políticas públicas de formação de professores para a educação básica, na modalidade a distância, essas ações correspondem a soluções emergenciais e, acima de tudo, político-eleitoreiras. Ações capazes de interferir significativamente em indicadores quantitativos, índices numéricos, no entanto, esvaziadas da necessária qualidade.
Foram as preocupações quantitativas que inspiraram Roquete Pinto, não só na fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, como na proposta de “uma rádio-escola em cada Estado” e na “mobilização das pessoas instruídas das comunidades em benefício da educação dos pobres”. Ele acreditava, tanto quanto outros intelectuais da época, na radiodifusão como um meio para solucionar o problema educativo brasileiro. Essa crença, característica dos “profissionais da educação” das décadas de 1920 e 30, traduzia-se na defesa do tecnicismo em educação e, por decorrência, no descompromisso com as ideias políticas. No limite, essa atitude permitiu acreditar que a aparente neutralidade desses profissionais era resultado da ideia de que a esfera educativa seria desvinculada das demais áreas da sociedade, ou da aceitação irrestrita das ideias políticas dos governantes (Paiva, 1973, p. 93-4).
Depois dessa proposta, que parece ter sido mesmo a inaugural em solo brasileiro, foram muitas outras: Instituto Monitor (1939), Instituto Universal Brasileiro (1941), MOBRAL (1967), Projeto Minerva (1970), Telecurso 2º Grau (1978) e Telecurso 1º Grau (1981), entre as mais conhecidas. Em todas elas, um pressuposto: educação mediada por tecnologias (apostilas em papel; apostilas e programas de rádio; apostilas e programas de televisão), com a expectativa de atendimento a amplas parcelas da população e, em decorrência, de solução imediata, “mágica”, para graves problemas educacionais, como alfabetização de adultos, acesso e permanência de jovens e adultos em processos educativos, formação do trabalhador. Em todas elas, a mesma concepção tecnicista de educação: entrega de conteúdos padronizados para estudo individual, difusão de conhecimentos que, por si, seriam geradores de habilidades e de atitudes nos alunos. Conteúdos que dariam suporte a ações e, principalmente, a certificações.
Em 1996, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Educação a Distância foi definida no artigo 80, que determina:
Art 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.
§1º. A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.
§2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância. (...)
Assim, ela se tornou oficialmente uma forma de ensino a ser desenvolvida sob o incentivo do Poder Público, que se responsabiliza por credenciar instituições e regulamentar exames e registro de diplomas, delegando aos sistemas estaduais e municipais de ensino a definição de normas para produção, controle e avaliação de programas e a autorização para sua implementação.
Consequentemente, no Plano Nacional de Educação (PNE), publicado em 2001 e ainda em vigor, há um subtítulo dedicado ao tema, denominado “Educação a distância e tecnologias”. Nos parágrafos iniciais, no item dedicado ao diagnóstico, afirma que:
No processo de universalização e democratização do ensino, especialmente no Brasil, onde os déficits educativos e as desigualdades regionais são tão elevados, os desafios educacionais existentes podem ter, na educação a distância, um meio auxiliar de indiscutível eficácia.
Depois de comentar as iniciativas nesse sentido, desenvolvidas pelo setor público, e a contribuição do setor privado, afirma que “o sistema também se ressente da falta de uma rede informatizada que permita o acesso generalizado aos programas existentes”, embora reconheça que “a regulamentação constante na Lei de Diretrizes e Bases é o reconhecimento da construção de um novo paradigma da educação a distância” (Brasil, PNE, p. 53-4).
Ao longo desses textos, a educação a distância vai sendo apresentada mais e mais como panaceia, capaz de viabilizar solução para muitos problemas da educação nacional, especialmente para aqueles acumulados ao longo das últimas décadas, como a desigualdade de oportunidade de acesso à educação escolar de qualidade, a dificuldade de escolarização dos trabalhadores, a formação continuada de profissionais da educação, entre outros. Ao mesmo tempo em que é definida claramente como uma ação a ser executada em regime de cooperação com a iniciativa privada, sob a regulação e controle da União.
À primeira leitura, esses documentos remetem a uma reedição do pensamento educacional brasileiro da década de 1930, embora mencionem o uso de tecnologias só disponíveis no final do século. Da mesma forma que a radiodifusão educativa pretendia combater os graves problemas educacionais daquela época, a educação a distância é apresentada agora como a alternativa adequada para o enfrentamento de questões ainda muito semelhantes. Segundo o PNE,
Ao introduzir novas concepções de tempo e espaço na educação, a educação a distância tem função estratégica: contribui para o surgimento de mudanças significativas na instituição escolar e influi nas decisões a serem tomadas pelos dirigentes políticos e pela sociedade civil na definição das prioridades educacionais.
(...) Cursos a distância ou semipresenciais podem desempenhar um papel crucial na oferta de formação equivalente ao nível fundamental e médio para jovens e adultos insuficientemente escolarizados (Brasil, PNE, p. 54).
Afirma ainda (p. 55): “A Lei de Diretrizes e Bases considera a educação a distância como um importante instrumento de formação e capacitação de professores em serviço.”
Em iniciativa mais recente, o governo federal instituiu o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), cuja prioridade é a conquista da “educação básica de qualidade”, por meio de cerca de 40 ações diferentes. Entre elas, é possível destacar a formação inicial de professores, pelo Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Com o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), o governo federal está implantando um sistema nacional de educação superior a distância com a participação de instituições públicas de educação superior e em parceria com estados e municípios. O principal objetivo da UAB é oferecer formação inicial a professores em efetivo exercício na educação básica pública que ainda não tenham graduação, o que significa atender a demanda de milhares de profissionais e propiciar formação continuada a quase dois milhões (Brasil, PDE).
No contexto das políticas neoliberais e da decorrente redução do papel do Estado no atendimento às demandas sociais, não causa estranheza, nem pode merecer credibilidade uma proposta de qualificação da educação básica pela formação inicial ou capacitação de professores por meio de programas de educação a distância que sejam elaborados de forma homogênea, central, e distribuídos para todo o país. Na verdade, inspira cuidado qualquer proposta de formação inicial de profissionais a distância, e não só de professores, a ser executada desta forma. No entanto, cabe perguntar: Por quê? O que nos preocupa? Profissionais formados em cursos presenciais são sempre corretos, adequados, capazes? A qualidade da formação está diretamente relacionada à presença em sala de aula e à realização de cursos presenciais? É sabido que não.
O objetivo deste texto, considerando os determinantes históricos e políticos da realidade, é contribuir para um processo de reflexão acerca da possibilidade de construção de uma educação transformadora, orientada pela concepção crítica de educação, em EaD. Contribuir para o debate, sem determinações prévias de juízos de valor, mas procurando entender os limites e as possibilidades para a construção de processos qualificados de formação profissional.
Tecnologias em educação e educação a distância (EaD)
O uso de tecnologias em educação, mesmo em atividade presencial, tem carregado historicamente a marca do distanciamento e da padronização, que sugerem um fazer educativo descomprometido, desvinculado da realidade, apenas técnico. Para os professores, parece trazer uma sensação de constante inadaptação e de desperdício de tempo, considerando a disponibilidade que devem ter para conhecimento dos recursos e orientação técnica de uso. Além disso, podem suscitar questionamento e reflexão sobre a prática pedagógica.
Em se tratando de educação a distância (EaD), entendida como a modalidade educativa na qual o processo de ensino-aprendizagem ocorre totalmente mediado por recursos de ensino, com professores e alunos separados no tempo ou no espaço, esse distanciamento e padronização podem ser considerados totais.
Também parece dessa forma quando se utiliza a expressão “ensino a distância”, onde a ênfase pode estar atribuída ao professor, como aquele que exerce o ensino, sem vínculo com a aprendizagem. E assim ocorre no caput do artigo 80 da LDB, embora nos parágrafos tenha sido usada a denominação “educação a distância”, que torna a expressão mais abrangente. No entanto, nenhuma das duas formas é totalmente adequada para designar uma atividade educativa organizada com base em recursos de ensino que se renovam continuamente e fazem mesmo questionar a ideia de distância. Usuários da Internet, no cotidiano, somos todos testemunhas de que ela é uma ferramenta capaz de reduzir e, algumas vezes, de anular distâncias.
Embora seja rejeitada por muitos educadores, a EaD pode ser uma opção adequada para a educação continuada de adultos, principalmente para aqueles que já têm experiência consolidada de aprendizagem individual e colaborativa e de pesquisa, como os alunos da pós-graduação e os profissionais graduados em busca de especialização. Educação continuada é entendida como aquela que se dá no processo de formação constante, de aprender sempre, de aprender em serviço, por associação entre teoria e prática, por reflexão sobre a própria experiência, por ampliação do universo do conhecimento com novas informações e novas relações e que, em última instância, deve contribuir para a construção de uma práxis, como sinônimo de prática refletida.
No entanto, antes de adotá-la, antes de decidir pela seleção dos procedimentos e recursos de ensino a serem utilizados, na forma de ferramentas da educação a distância, é preciso ter clareza a respeito da concepção de educação que fundamenta esta prática educativa.
É preciso considerar o que Pesce denomina de “ambiguidade” presente no trabalho com TIC, e característica dos seres humanos:
(...) no flanco das possibilidades educacionais emancipadoras, as tecnologias podem ajudar na democratização do acesso à informação e no diálogo entre educadores, que, embora distantes geograficamente, vivenciam circunstâncias históricas semelhantes. No flanco da cristalização, colaboram com a manutenção do status quo, em favor de uma racionalidade instrumental que se coaduna com os princípios neoliberais (Pesce, 2009, p. 149).
É preciso indagar, para além dos recursos e possibilidades da EaD, quem oferece os processos de ensino e que concepção de educação os sustenta. Ainda segundo Pesce, ao analisar as políticas de formação docente na modalidade EaD:
A utilização das tecnologias da informação e comunicação, na perspectiva alienante, outorga aos educadores um perfil não-emancipado. A visão crítica aceita a ambiguidade da tecnologia, que, a um só tempo advoga em favor da emancipação e da alienação, a depender do uso que se faça dela. (Pesce, 2009, p. 149).
Especialmente no contexto da concepção crítica de educação, a EaD requer um criterioso processo de planejamento pedagógico, que deve ser realizado pelo grupo de professores, em sintonia com a realidade social, aberto à participação dos atores do processo educativo, baseado na articulação entre teoria e prática e em condições de promover a transformação da realidade onde se desenvolvem. Para tanto, deve considerar a prática social do aluno, a partir da compreensão que ele traz e pode mobilizar em relação ao objeto do conhecimento (tema do curso, da unidade temática ou da aula). Essa prática precisa ser problematizada, por meio de processos de questionamento em face das teorias conhecidas e disponíveis, já elaboradas. Nessa fase, alunos e professores, em relação dialógica, realizam a construção de novos conhecimentos, que oferecem subsídios para, de forma organizada, elaborar sínteses capazes de provocar a reelaboração da prática social, interferindo na realidade.
É importante lembrar que um curso a distância requer o trabalho articulado de uma equipe especializada, que deve contar com profissionais de programação, webdesign, desenho instrucional e educadores. No entanto, é fundamental reconhecer que todo esse trabalho deve seguir coerente e submetido à proposta pedagógica inicial, ainda que ocorram ajustes técnicos. Muitas vezes, por desconhecer a dinâmica da EaD, professores tendem a delegar decisões técnicas a outros profissionais, não educadores, as quais podem comprometer severamente o trabalho, pelo desrespeito à concepção de educação que orienta o processo.
Entender e aceitar a possibilidade de trabalhar com EaD requer disponibilidade para a revisão dos conceitos de curso e de aula. O curso não é uma seqüência de conteúdos predefinidos, distribuídos em aulas. E a aula deixa de ser um espaço e um tempo determinados. O curso pode ser definido pelo conjunto de experiências de aprendizagem mobilizadoras do conhecimento que reúne, e a aula, por espaço e tempo flexíveis, espaço de disponibilidade para o diálogo e de encontro no processo de conhecimento, aula como pesquisa e intercâmbio.
O professor continua a "dar aula", no sentido de que deve ser o responsável por organizar objetivos e conteúdos de ensino e por mediar os processos de aprendizagem, no entanto, de forma enriquecida pelas possibilidades que as tecnologias interativas podem proporcionar: recebe e responde mensagens dos alunos, cria fóruns ou listas de discussão e alimenta continuamente os debates e pesquisas com textos, vídeos e outros documentos impressos ou disponíveis em páginas da Internet.
O papel do professor é redimensionado. Ele atua como mediador, como incentivador dos processos de aprendizagem dos alunos, na construção ou reconstrução do conhecimento. Sua atividade será tão ou mais intensa, a depender do tipo de curso organizado e do nível de complexidade das propostas, que aquela que desenvolve em sala de aula presencial. No entanto, sua atuação pode ser verdadeiramente docente, responsável e comprometida.
Considerações finais
Experiências educativas transformadoras da realidade social estão em curso no Brasil, nesse momento, baseadas em concepções críticas de educação e obedientes às determinações da legislação vigente. Correspondem a demonstrações da capacidade de seres humanos dispostos a promover educação de qualidade mesmo que asfixiados por estruturas e ambientes altamente reprodutores e controladores. Elas podem contribuir para demonstrar que tecnologias, ambientes virtuais e educação a distância não são, em si, boas nem más, são apenas ferramentas e recursos a serviço de quem as opera. E, como já dizia Paulo Freire, há cerca de 25 anos,
O problema é saber a serviço de quem e de quê, a informática entrará agora maciçamente na educação brasileira (...).
Por isso, eu insisto em dizer: a crítica nossa tem que ser política, e não tecnológica. A posição em que eu me situo, portanto, é essa: eu não sou contra o computador; o fundamental seria nós podemos programar o computador. É a questão do poder: é saber a serviço de quem ele é programado para nos programar (Freire, 1984, p. 83-4).
* Profa. Titular do Depto de Educação: Formação Docente, gestão e tecnologias, da Faculdade de Educação da PUCSP.
** Profa. do curso de Especialização em Magistério do Ensino Superior, da Faculdade de Educação da PUCSP.
Referências


http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/revista-puc-viva/79-33-ensino-a-distancia-agosto-de-2009/2427-educacao-a-distancia-uma-alternativa-de-qualidade
Anastasiou, L. G.C. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem. In: Anastasiou, L. G.C. e Alves, L. P. Processos de Ensinagem na Universidade. 3ª ed. Joinville/SC, UNIVILLE, 2004.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=289&Itemid=356, acesso em 29/set/09.
Brasil. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação. http://portal.mec.gov.br/arquivos/pde/default.html, acesso em 30/out/09.
Carlini, A. L. O professor do Ensino Superior e a Inclusão Digital. In: Carlini A. L. e Scarpato, M. (orgs.) Ensino Superior: questões sobre a formação do professor. São Paulo, Avercamp, 2008.
Dicionário Interativo da Educação Brasileira. Agência EducaBrasil. Em http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario, acesso em 19/out/09.
Freire, P e Guimarães, S. Sobre educação (Diálogos). vol 2. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.
Moran, José Manuel. O que é educação a distância (ECA-USP). Em http://www.eca.usp.br/prof/moran/dist.htm, acesso em 29/set/09.
Pesce, L. O educador em foco: um olhar sobre as políticas de formação docente na modalidade de educação a distância. In: Feldmamn, M. G. (org.) Formação de Professores e Escola na Contemporaneidade. São Paulo, SENAC, 2009.
Peters, Otto. Didática do ensino a distância. São Leopoldo/RS, Ed. Unisinos, 2001.
Saviani, D. Escola e democracia. São Paulo, Cortez, 1982.
Vasconcelos, Sérgio Paulo Gomes de. Educação a Distância: histórico e perspectivas (UERJ). Em http://www.filologia.org.br/viiifelin/19.htm, acesso em 29/set/2009.

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