Julho/2013
Capa/Evasão | Edição 195
Adeus, docência
Número
cada vez maior de professores que abandonam a profissão piora o quadro de
escassez de profissionais na Educação Básica e coloca em questão a capacidade
de atração da sala de aula atual
Rodnei Corsini
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Desvalorização da profissão e más condições de
trabalho são motivos para a desistência da carreira
|
Baixos salários, insatisfação no trabalho, desprestígio profissional. As condições são velhas conhecidas dos docentes, mas têm se convertido em um fenômeno que torna ainda mais preocupante a escassez de profissionais na Educação Básica: os professores têm deixado a sala de aula para se dedicar a outras áreas, como a iniciativa privada ou a docência no ensino superior.
Até maio deste ano, pediram exoneração
101 professores da rede pública estadual do Mato Grosso, 63 em Sergipe, 18 em
Roraima e 16 em Santa Catarina. No Rio de Janeiro, a média anual é de 350
exonerações, segundo a Secretaria de Estado da Educação, sem discernir quantas
dessas são a pedido. Mas a União dos Professores Públicos no Estado diz que,
apenas nos cinco primeiros meses deste ano, 580 professores abandonaram a
carreira (leia mais na página 43). Para completar o quadro, a procura pelas
licenciaturas como um todo segue diminuindo, e a falta de interesse pela
docência provoca a escassez de profissionais especialmente em disciplinas das
ciências exatas e naturais.
Motivos para a evasão
"O motivo unânime para a evasão docente é a desvalorização da profissão e as más condições de trabalho", diz a professora Romélia Mara Alves Souto, do departamento de Matemática e Estatística do programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais. Em um estudo com alunos da universidade, Romélia constatou que entre os formados de licenciatura em Matemática entre 2005 e 2010, quase dois terços trabalham como docentes - mas, destes, 45% não pretendem continuar na Educação Básica. A maioria presta concurso para instituições financeiras ou quer se tornar pequeno empresário. Uma boa parte também faz pós-graduação ou vai estudar em outra área para não seguir na docência.
"O motivo unânime para a evasão docente é a desvalorização da profissão e as más condições de trabalho", diz a professora Romélia Mara Alves Souto, do departamento de Matemática e Estatística do programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais. Em um estudo com alunos da universidade, Romélia constatou que entre os formados de licenciatura em Matemática entre 2005 e 2010, quase dois terços trabalham como docentes - mas, destes, 45% não pretendem continuar na Educação Básica. A maioria presta concurso para instituições financeiras ou quer se tornar pequeno empresário. Uma boa parte também faz pós-graduação ou vai estudar em outra área para não seguir na docência.
"Para mim, a ferida principal
disso tudo é o salário do professor. Os professores estão tendo de brigar para
receber o piso", avalia. Romélia também já lecionou na Educação Básica e
foi para o ensino superior, sobretudo, por questões salariais. Deu aulas de
matemática durante dez anos quando, em 1996, migrou para a docência superior.
O quadro parece se repetir há mais de uma década. Em 1999, Flavinês Rebolo, atualmente professora da pós-graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande (MS), defendeu uma tese de mestrado na Faculdade de Educação da USP em que focou o período de 1990-1995 na rede estadual paulista. Ela identificou que, além dos baixos salários, os fatores que mais contribuíam para a evasão docente eram a insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional. "A questão salarial é uma luta de classe dos professores, em que eles têm toda a razão, mas no grupo que entrevistei o sentimento era muito mais de inutilidade que eles viam no trabalho", lembra Flavinês. A desvalorização, pelos próprios alunos e pela comunidade, minava o ideal dos professores de que iriam contribuir para uma sociedade melhor, aponta a pesquisadora.
O quadro parece se repetir há mais de uma década. Em 1999, Flavinês Rebolo, atualmente professora da pós-graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande (MS), defendeu uma tese de mestrado na Faculdade de Educação da USP em que focou o período de 1990-1995 na rede estadual paulista. Ela identificou que, além dos baixos salários, os fatores que mais contribuíam para a evasão docente eram a insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional. "A questão salarial é uma luta de classe dos professores, em que eles têm toda a razão, mas no grupo que entrevistei o sentimento era muito mais de inutilidade que eles viam no trabalho", lembra Flavinês. A desvalorização, pelos próprios alunos e pela comunidade, minava o ideal dos professores de que iriam contribuir para uma sociedade melhor, aponta a pesquisadora.
No princípio de tudo
"Choque de realidade" é o termo usado para esse sentimento entre os professores iniciantes, grupo em que a evasão costuma ser alta. A pedagoga Luciana França Leme se ressente da falta de pesquisas sobre a evasão docente no Brasil, mas avalia que uma das hipóteses para a desistência no começo da carreira é a exposição do professor iniciante às escolas mais vulneráveis. "Não é que o professor não tenha de ir para essas escolas, mas há uma relação entre perfil do alunado e as condições de trabalho docente."
"Choque de realidade" é o termo usado para esse sentimento entre os professores iniciantes, grupo em que a evasão costuma ser alta. A pedagoga Luciana França Leme se ressente da falta de pesquisas sobre a evasão docente no Brasil, mas avalia que uma das hipóteses para a desistência no começo da carreira é a exposição do professor iniciante às escolas mais vulneráveis. "Não é que o professor não tenha de ir para essas escolas, mas há uma relação entre perfil do alunado e as condições de trabalho docente."
Luciana aponta, ainda, as diferenças da
evasão entre as áreas de conhecimento. Ela considera a hipótese de que os
professores das áreas de exatas têm mais possibilidade de migrar para outras
por conta de uma formação mais específica, que permite a aplicação dos seus
conhecimentos em setores como o mercado financeiro. Já entre os licenciados em
humanidades, a aplicação dos conhecimentos da graduação em outras áreas
profissionais é, normalmente, mais restrita, com exceção do curso geografia, em
que há maior possibilidade de os formados trabalharem em empresas de geologia.
Fabio Rodrigues exemplifica a questão.
Ele sonhava com a carreira docente quando ingressou na licenciatura de
matemática na USP, no final de 2010. Depois de lecionar em cursinhos e, ao
longo de três semestres letivos, em estágios obrigatórios na rede estadual, já
no último semestre da graduação conseguiu emprego como assistente financeiro em
uma empresa de engenharia. Em 2011, migrou para a área de Tecnologia da
Informação, onde segue trabalhando como analista e desenvolvedor de sistemas.
"Eu já tinha conhecimento sobre desenvolvimento de sistemas porque tive
algumas disciplinas da área na USP e fazia alguns cursos por curiosidade e
também por hobby", diz.
Na outra ponta, Gisele Teodoro, formada
em letras em 2008, migrou das aulas de inglês para o trabalho como telefonista
bilíngue em uma empresa de mineração em Araxá. A desvalorização, o baixo
salário e o excesso de trabalho fora da sala de aula foram os fatores para ela
deixar o magistério. "Tanto o salário e os benefícios quanto a carga de
trabalho bem menor são determinantes para que eu, pelo menos por enquanto, não
tenha a menor pretensão de voltar para a sala de aula", diz.
Futuro em perspectiva
Professor do Programa de Mestrado em Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-diretor de Educação Básica Presencial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Dilvo Ristoff pondera que em todas as profissões há evasão de profissionais. "O IBGE nos mostra que somente um terço dos engenheiros formados, por exemplo, atua como engenheiro e que apenas 75% dos médicos formados exercem a medicina", diz. O professor da UFSC faz a comparação com os professores de Educação Básica para concluir que, se em profissões com salários mais altos a evasão é expressiva, não surpreende, em sua opinião, que a evasão de professores formados seja alta. Além de uma renda maior, Ristoff lista algumas necessidades urgentes na carreira docente no Brasil: perspectiva de carreira, boas condições de trabalho e de formação, respeitabilidade social. "O professor, como todo ser humano, é movido por uma imagem de futuro que constrói para si. Se no seu trabalho ele percebe, dia após dia, que o seu futuro será uma réplica do seu presente - ou seja, no caso, tão ruim quanto o seu presente - ele desanima e, na primeira oportunidade, abandona a profissão", afirma.
Professor do Programa de Mestrado em Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-diretor de Educação Básica Presencial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Dilvo Ristoff pondera que em todas as profissões há evasão de profissionais. "O IBGE nos mostra que somente um terço dos engenheiros formados, por exemplo, atua como engenheiro e que apenas 75% dos médicos formados exercem a medicina", diz. O professor da UFSC faz a comparação com os professores de Educação Básica para concluir que, se em profissões com salários mais altos a evasão é expressiva, não surpreende, em sua opinião, que a evasão de professores formados seja alta. Além de uma renda maior, Ristoff lista algumas necessidades urgentes na carreira docente no Brasil: perspectiva de carreira, boas condições de trabalho e de formação, respeitabilidade social. "O professor, como todo ser humano, é movido por uma imagem de futuro que constrói para si. Se no seu trabalho ele percebe, dia após dia, que o seu futuro será uma réplica do seu presente - ou seja, no caso, tão ruim quanto o seu presente - ele desanima e, na primeira oportunidade, abandona a profissão", afirma.
A pedagoga Luciana França Leme ressalta
que a solução de atratividade para a carreira docente pode ser alcançada a
longo prazo, porque ela vai reverberar na questão social e na questão cultural
quanto à imagem do professor. Na sua tese de mestrado sobre os ingressantes nas
licenciaturas em matemática e física e em pedagogia na USP, os motivos para que
os alunos apontassem dúvidas quanto a querer ser docente eram muito semelhantes
nos três cursos. A questão salarial era a de maior influência, mas há outras.
"Uma das razões mais pontuadas, no escore da pesquisa foi que os alunos
seriam professores caso pudessem ingressar em uma escola reconhecida com bom
projeto educacional", diz. Ela afirma que medidas pontuais para atrair
docentes à Educação Básica não vão resolver o problema justamente pela
atratividade ter muitos fatores conjugados.
Em 2010, a Fundação Carlos Chagas
elaborou uma pesquisa para investigar a atratividade da carreira docente no
Brasil pela ótica de alunos concluintes do ensino médio. Uma das autoras do
artigo em que são apresentados os resultados da pesquisa, Patrícia Albieri de
Almeida - pesquisadora da Fundação e professora da Universidade Presbiteriana
Mackenzie - afirma que um fator determinante para a baixa atratividade à
docência, presente no estudo, é o pouco reconhecimento social da profissão, no
sentido de o magistério não ser entendido como uma carreira em que é necessário
um conhecimento específico que a diferencia de outras formações. "Até
mesmo como reflexo disso muitos estudantes descartam a docência por acharem que
não têm as características pessoais para isso. Esse fator aparece até mais
forte do que a questão do baixo salário. É muito forte, em nossa sociedade, a
ideia de que basta ter dom e vocação para exercer a docência", afirma
Patrícia.
Professores em Déficit
Para Mozart Ramos - professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do conselho de governança do movimento Todos pela Educação -, a baixa atratividade à docência é o maior desafio, hoje, na educação brasileira. "É uma questão estratégica: ter bons alunos egressos do ensino médio para os cursos de licenciatura e, posteriormente, para a carreira do magistério é essencial", afirma. Em sua avaliação, são quatro as principais razões para a pouca atratividade à profissão: baixos salários - a média salarial no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, citada por Mozart, é de R$ 1,8 mil; falta de plano de carreira e pouca expectativa de crescimento profissional; pouca conexão entre as licenciaturas e a Educação Básica; e más condições de trabalho. "As condições de trabalho são ruins tanto no âmbito das questões de violência, em sala de aula e fora dela, quanto na falta de insumos para que o professor exerça bem suas atividades", diz.
Para Mozart Ramos - professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do conselho de governança do movimento Todos pela Educação -, a baixa atratividade à docência é o maior desafio, hoje, na educação brasileira. "É uma questão estratégica: ter bons alunos egressos do ensino médio para os cursos de licenciatura e, posteriormente, para a carreira do magistério é essencial", afirma. Em sua avaliação, são quatro as principais razões para a pouca atratividade à profissão: baixos salários - a média salarial no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, citada por Mozart, é de R$ 1,8 mil; falta de plano de carreira e pouca expectativa de crescimento profissional; pouca conexão entre as licenciaturas e a Educação Básica; e más condições de trabalho. "As condições de trabalho são ruins tanto no âmbito das questões de violência, em sala de aula e fora dela, quanto na falta de insumos para que o professor exerça bem suas atividades", diz.
O problema da baixa quantidade de
professores formados não é recente, segundo adverte Antonio Ibañez, conselheiro
da Câmara de Educação Básica do CNE e professor aposentado do curso de
engenharia mecânica da Universidade de Brasília (UnB). Quando era reitor da
UnB, em 1991, ele constatou por meio de relatórios o pequeno número de
professores licenciados em ciências exatas e naturais pela universidade nos 30
anos anteriores. "Eram poucos mesmo, menos de duas dúzias. Fiquei
preocupado de como uma universidade importante tinha formado tão poucos
professores para Educação Básica, algo que, constatei depois, era um problema
generalizado em outros estados".
O CNE publicou um relatório em maio de
2007 que, por meio de uma simulação, quantificava os professores necessários
para atender a todos os alunos que estavam matriculados no segundo ciclo do
ensino fundamental e no ensino médio. "A conclusão foi que, sobretudo nas
disciplinas mencionadas, faltavam docentes ou, então, as vagas eram preenchidas
por professores que não tinham a qualificação específica ou a titulação
necessária para a disciplina", diz Ibañez. A estimativa era de que havia
demanda total por 106,6 mil professores formados em matemática e 55,2 mil em
física e em química. Mas o número de licenciados entre 1990 e 2001 havia sido
somente de 55,3 mil (matemática), 7,2 mil (física) e 13,5 mil (química).
A cada dez alunos ingressantes nas
licenciaturas em física e em matemática da Universidade de São Paulo (USP), em
2010, cinco não queriam ser professores na Educação Básica ou não estavam
certos sobre isso. Os dados são da tese de mestrado da pedagoga Luciana França
Leme.
Desinteresse
Entre os licenciados em física no campus de Bauru da Unesp, entre 1991 e 2008, a maior parte chegou a dar aulas no ciclo básico - mas um terço desistiu da profissão. A constatação também é fruto de uma pesquisa de mestrado, de Sérgio Kussuda, sobre a escolha profissional dos licenciados em física na universidade. Entre 377 concluintes da licenciatura em física no período, a pesquisa teve a participação de 52 licenciados que responderam aos questionários. Entre eles, 32, em algum momento da carreira, lecionaram na Educação Básica. Segundo a apresentação da tese de Kussuda, uma das principais conclusões é que a falta de professores de física não se deve somente ao pequeno número de formados, mas, sim, à da evasão docente para outras áreas profissionais.
Entre os licenciados em física no campus de Bauru da Unesp, entre 1991 e 2008, a maior parte chegou a dar aulas no ciclo básico - mas um terço desistiu da profissão. A constatação também é fruto de uma pesquisa de mestrado, de Sérgio Kussuda, sobre a escolha profissional dos licenciados em física na universidade. Entre 377 concluintes da licenciatura em física no período, a pesquisa teve a participação de 52 licenciados que responderam aos questionários. Entre eles, 32, em algum momento da carreira, lecionaram na Educação Básica. Segundo a apresentação da tese de Kussuda, uma das principais conclusões é que a falta de professores de física não se deve somente ao pequeno número de formados, mas, sim, à da evasão docente para outras áreas profissionais.
O estudo de Luciana também apontou que,
entre os que se matricularam em pedagogia em 2010, 30% não queriam ou estavam
incertos quanto ao ingresso na carreira docente. "A propensão a não ser
professor entre os ingressantes em pedagogia é bem menor do que nas
licenciaturas em física e matemática, mas não é um percentual
desprezível", diz a pedagoga.
A pouca procura por cursos de licenciatura
em geral e os baixos índices de formação, a propensão de parte significativa
dos ingressantes nesses cursos para não seguir carreira docente e a evasão de
jovens professores da Educação Básica são alguns dos principais fatores que,
somados, resultam em um quadro de escassez docente. O desafio em atrair
professores não é exclusividade do Brasil (veja mais na pág. 50) e, por
enquanto, não tem afetado a rede privada de forma importante, embora gere
algumas preocupações. O problema se agrava quando se observa que professores
lecionam matérias para as quais não têm formação específica. "Dados
demonstram que cerca de metade dos professores da Educação Básica são
improvisados, isto é, não foram formados para ensinar o que ensinam", diz
Dilvo Ristoff.
Vera Placco, professora e coordenadora
do programa de pós-graduação em Educação (Psicologia da Educação) da PUC-SP,
avalia que muitas das políticas educacionais para valorizar o professor e a
educação não têm alcançado resultados concretos e desejados. "É preciso
que o professor tenha uma formação continuada que possibilite a ele agir de
forma mais atuante na sala de aula e na escola, participando da estruturação do
currículo e do projeto político-pedagógico da escola", defende. Para ela,
a preparação do professor para trabalhar com diferentes idades deveria ser
aprofundada na formação continuada.
Dilvo Ristoff avalia que medidas
importantes têm sido tomadas no sentido de valorização da carreira docente e
consequente busca pela atratividade à profissão, como o Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), a lei do piso salarial e o Plano
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), do qual o
programa de segunda licenciatura faz parte. "Mas são todas ações insuficientes:
algumas são apenas pontuais e outras dependem da superação da crise sistêmica e
do conflito de competências na Federação para o seu sucesso." Ao mesmo
tempo que enfrentam as questões centrais, as instituições e o governo federal
devem criar políticas focadas para formação de professores com ênfase especial
nas áreas mais carentes. "Isso, no entanto, não deve significar
desincentivo às demais áreas, pois temos carências em todas as disciplinas e em
todas as regiões do país", diz.
Paula Louzano, professora da Faculdade
de Educação da USP, destaca que a profissionalização do docente implica
valorizar a ideia de uma profissão que deve ser ocupada por alguém que estudou
devidamente para isso. "Se se concorda com essa ideia, então não dá para
termos formação a distância - ninguém fala, por exemplo, em ensino a distância
para formação de médicos. Não dá, portanto, para ser uma formação
aligeirada." Segundo Paula, hoje 30% dos cursos de formação de professor
no Brasil são a distância. Em 2006, eram 17%.
Um programa em estruturação do MEC,
Quero ser professor, quero ser cientista, é voltado para as áreas de
matemática, química, física e biologia, com estímulos a alunos do ensino médio
para seguir carreira na área científica ou na docência na Educação Básica. O
programa tem como meta atender 100 mil estudantes: serão incorporados, segundo
o MEC, estudantes medalhistas de olimpíadas de matemática e de língua
portuguesa, entre outras - não foram claramente definidos os critérios ainda.
Professores que participarem do programa terão direito a bolsas e extensão na
formação - o Quero ser professor... não pretende condicionar as bolsas e
titulações de pós-graduação ao desempenho satisfatório dos estudantes, mas isso
poderá ser decidido nos estados e municípios. A meta é oferecer dez mil bolsas
Pibid. O MEC não informou se serão novas bolsas, somadas às que já são
oferecidas pelo Pibid, ou se parte das bolsas já oferecidas serão destinadas ao
programa - segundo a Capes, em 2012 foram oferecidas 40 mil bolsas Pibid para a
categoria alunos de licenciatura. "As bolsas para motivar o estudante para
ir para as licenciaturas concorrem com uma infinidade de outras bolsas. Por
isso, não é mais um recurso tão atrativo", avalia Antonio Ibañez.
O conselheiro do CNE idealiza que a
rotina dos professores de Educação Básica tenha similaridades com a dos
professores universitários. "Eles têm uma carreira e sabem qual percurso
têm para seguir", descreve. E defende que os professores possam fazer
pesquisas sobre métodos e resultados da aprendizagem dos alunos,
apresentando-os em congressos de Educação Básica, com uma dinâmica similar à
que existe na educação superior. Flavinês Rebolo aposta em um cenário diverso
do atual. "Um clima de escola com relações interpessoais harmônicas e
equilibradas, com apoio mútuo entre os professores, possibilidades de trabalho
coletivo, são alguns dos aspectos que podem tornar o trabalho mais satisfatório
e prazeroso, e isso com certeza contribui para que o professor se mantenha na
profissão. Mas é claro que não depende só de esforços das pessoas, é preciso
ter políticas públicas que ofereçam espaços para os trabalhos coletivos e outro
tipo de organização do trabalho dentro da escola. Isso, devagarzinho, está
acontecendo", diz Flavinês.
A falta de atratividade das licenciaturas
|
O
que pode agravar o diagnóstico do CNE feito em 2007 é que a procura pelas
licenciaturas como um todo, no país, segue diminuindo nos últimos anos. Em
2005, foram 1,2 milhão de matriculados. Já em 2010, após uma queda verificada
ano a ano, foram 928 mil matrículas. Os números foram processados e
apresentados em novembro do ano passado em um artigo de Dilvo Ristoff em
coautoria com Lucídio Bianchetti, também professor da UFSC, a partir de dados
do Censo da Educação Superior. A queda contrasta com o número crescente de
bacharéis e tecnólogos formados. "Os programas existentes da Capes,
apesar de serem bons e necessários, não conseguem interferir na falta de
atratividade das licenciaturas. As universidades precisam ajudar,
redesenhando com coragem os seus projetos pedagógicos de licenciatura,
entendendo que nesses cursos há que se preparar o futuro professor e não o
bacharel", opina Ristoff.
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"Eu já preparava aulas para qualquer
disciplina"
William Rodrigues, deixou a docência para voltar à graduação |
William
Rodrigues se licenciou em história no campus de Assis da Universidade
Estadual Paulista em 2010. Entre o último semestre da graduação e o início de
2012, foi professor da rede estadual de São Paulo na categoria "O"
- regime de contratação por tempo determinado para atender necessidades
temporárias, como substituição de docentes. "Muitas vezes eu dei aulas
de matemática, física e inglês. E os alunos sabiam que eu era professor de
história e que estava lá tapando um buraco, eles tinham total consciência
disso", diz.
De
julho a dezembro de 2011, ele fazia uma espécie de plantão, esperando a falta
aleatória de algum professor. Chegou, em uma semana, a dar 46 aulas. "Eu
já preparava, em casa, aulas que pudessem ser ministradas para qualquer
disciplina", diz. No início de 2012, William foi aprovado no concurso de
docentes para um posto definitivo na rede estadual paulista. Mas preferiu
desistir da carreira de professor e não assumiu o cargo. Na ocasião, estava
se mudando para Foz do Iguaçu (PR), onde acabara de se matricular em uma
segunda graduação, em relações internacionais, na Universidade Federal da
Integração Latino-Americana (Unila). Hoje, segue como estudante no segundo
ano do curso. William estava em Assis em maio, em férias do curso de
RI, quando conversou por telefone com Educação. O contato com a cidade natal
onde se licenciou na Unesp o fez pensar na possibilidade de voltar a
lecionar. "Estava com muitas saudades daqui. Nesse último mês, senti
muita falta das aulas: história me dá brilho nos olhos, é um curso com o qual
eu queria trabalhar", afirma. "Acho que eu até voltaria a dar aula,
tenho saudade da sala e do contato com os alunos. Ser professor é muito bom,
não é ruim. O que é ruim é o descaso, é sair de casa e não conseguir
trabalhar por falta de estrutura."
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E na rede particular?
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Amábile
Pacios, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e
diretora do colégio Dromos, no Distrito Federal, não vê, até o momento,
problemas expressivos de escassez de professores na rede particular de
Educação Básica. "Mas acho que a rede poderá sofrer impacto no futuro,
pois temos cada vez menos pessoas interessadas no magistério", prevê.
"Precisamos de política pública, mas falta também reconhecimento da
população. Há desprestígio e desqualificação do professor - e, em alguns
casos, na particular é mais acentuado: quando, por exemplo, as famílias dão
razão ao filho em detrimento de uma posição que um professor tenha assumido
em sala de aula", avalia.
João Carlos Martins, diretor-geral do Colégio Renascença, em São Paulo, e consultor educacional na rede particular, atua na gestão de colégios há cerca de 20 anos e também se preocupa com uma possível escassez docente no futuro. "Ainda temos um bom grupo de professores no mercado para educação infantil e educação fundamental 1, mas para fundamental 2 e ensino médio o quadro já está difícil", identifica ele. Ele avalia que muitos licenciados vão da graduação diretamente para a pós-graduação. |
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